quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MANIAS DE UMA LOJA DE SAPATOS

Fabrício Carpinejar 



Arte de Andy Wahrol

Entro numa loja, escolho dois pares depois de investigação minuciosa pela vitrine, estantes e pelos pés dos frequentadores. Sim, analiso os pés de quem está na loja para escolher também. Se alguém usa um sapato superior à aquele que vou comprar, já não levo. Se alguém calça um sapato igual, finjo que não quero mais. Consumo a mentira de que sou único. 

Tomei um tempo imenso sorteando quais combinavam com a minha personalidade. Se bem que sou capaz de mudar de personalidade para combinar com um par de sapatos. Escolher um de que gosto mesmo é uma arte: fivela, sola, couro, salto, cor, textura. São mais pré-requisitos do que financiamento de imóvel pela Caixa Econômica Federal. 

Eu avistei dois vizinhos de minhas taras. Uma bota preta para fingir que sou durão e um sapato cinza para combinar com colete astronauta. Há sempre uma peça de roupa pedindo par para dançar no seu armário. A vendedora avisou que iria buscar meu número. Sentei no banquinho com olhar de meteoro caindo. O rosto é céu inclinado quando esperamos comprar alguma coisa. É da infância saber se teremos dinheiro ou não, se poderemos ou não levar aquilo que temos empatia. 

Ela veio com seis caixas. Equilibrando-se nos seios. A mecha de seu cabelo ruivo apontava que era ela. Uma mecha surrada de quem pintou o cabelo mais vezes do que necessário ou se separou mais vezes do que amou. 

Por que seis caixas? Eu pedi para experimentar dois! Sempre que uma vendedora chega com mais caixas do que foi pedido com certeza ela não trará os sapatos pretendidos. 

Pousa com outros modelos que não tem parentesco com o desejado. 

Abriu uma, abriu duas, abriu três, abriu quatro, cinco, seis tampas. Como se fosse meu sapato e não era. Das cores mais extravagantes, dos feitios mais opostos, das formas menos próximas. Mas tratando como se fosse o ideal. Isso irritou minhas sobrancelhas. Tudo o que pedi acabou por ser esquecido. 

- Cadê meus sapatos? 

- É que não tem mais seu número. 

- Então, me diga que não tem meu número e não me deixe esperando... 

- É que poderia gostar de outros modelos? 

- A senhora não pensou que eu OLHEI outros modelos antes de escolher aqueles? Fiquei vinte minutos decidindo... 

- Ai, desculpa. É que você iria embora... 

- Iria embora sem ficar brabo, agora vou embora completamente fulo. 

- Aprendi assim: tem que prender o cliente porque senão ele pensa que não damos atenção e estamos sem vontade. 

- Como? 

- Se eu viesse de mãos vazias, não estaria passando a imagem de que me esforcei para vender. 

- Eu não passei imagem de que compraria somente os escolhidos? 

- Sim, é que tinha que enrolar para ganhar tempo e pensar como posso agradá-lo. 

Neste momento, compreendi que somos iguais a ela e aos costumes do balcão, não adiantava engolir saliva no provador se a vida cuspiria de novo na rua, quando viesse a primeira tosse. 

Carentes, preferimos prender quem não amamos. Ficamos com uma companhia apesar de não amar, para evitar sermos cobrados pelos pés descalços ou porque estamos sozinhos. Esperando o par perfeito enquanto usamos o que encontramos. O que veio na frente. O que tinha no estoque. 

Grande parte dos casais é ímpar. Vistosamente formando pares trocados, solteiros, improvisados. 

Quando compramos o que não gostamos, concluímos que "dá pro gasto". É uma expressão triste, inconsolável. O equivalente a lamentar que não tinha o que procurávamos. Gastamos o que não é nosso. Gastamos as pernas para justificarmos que permanecemos em movimento, tentando, ocupados. 

Os sapatos são nossas estradas. Não permitem desvios e atalhos, trocas e substituições. 

O amor começa pelos pés. Obsessivo. 
Não levei nada daquela loja. 



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