segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Fantasiado de estereótipo



Recentemente, meu marido me contou em tom de "sabe da última?" um causo, daqueles que acontecem aos montes e do qual todo mundo já ouviu falar ou conhece alguém que já foi vítima do acontecido.

Um jovem senhor, financeiramente abastado resolve certo dia, comprar um automóvel, o modelo mais caro e luxuoso da concessionária. Coloca sua camiseta surrada, sua bermuda puída, calça seu gasto par de chinelos de dedo. Entra na loja, olha, rodeia... Demora a ser notado e a receber atenção de um vendedor. Finalmente é atendido, superficialmente por sinal. A vendedora não parece acreditar que seja um cliente em potencial. Insatisfeito e desdenhado, vai embora sem adquirir o bem.

É quando a história ganha a ênfase na narrativa do meu marido, que passa a descrever a cena seguinte: o referido senhor dirige-se à outra concessionária e compra resoluto o melhor carro - à vista.

Eis aberta a discussão. O maridão se manifesta:

_Acha correto que o tenham julgado pela aparência? Só porque estava de chinelos... Era rico o danado! Coisa feia é tomar os outros por suas roupas!

Interpelei:

_Acha então que toda a responsabilidade disso é da vendedora? Não pensa na possibilidade do homem ter sua parcela de culpa?

Silêncio.

O problema daquele homem não era definitivamente a falta de posses que lhes garantissem becas jeitosas. Andar mal trajado era decisão, escolha pessoal e independente de seu contexto financeiro. Julgar pessoas pela aparência é perigoso, especialmente quando essas não tem recursos para investir nela, mas não concordo que foi esse o caso.

O que as pessoas precisam  querer entender é que as roupas que usamos produzem significância, constroem sentido e contribuem, queiramos ou não, para a construção de nossa identidade. Roupas dotam pessoas de competências, mesmo que imaginárias.

O homem é ser social por essência e visual por natureza. Para socializar-se, precisa interagir com o outro e nesse contato a linguagem visual precede a verbal - quem vê a roupa lê a roupa e dialoga com o outro através dessa fonte de comunicação do mundo contemporâneo, onde o que predomina são as imagens.

O corpo desse senhor, assim como o nosso é uma tela em branco - o que colocamos nele é nada mais que o código de linguagem que escolhemos espontaneamente na tentativa de compor uma obra-prima autoral.

Roupas transmitem valores éticos e estéticos, não há como fugir disso. A vendedora foi perversa? Pode ser que sim. Considero ainda a hipótese de que talvez, induzida a erro. Do homem, no entanto, não se deve eximir a responsabilidade pela escolha nociva e nem tê-lo por vítima. Quem produziu ruído na comunicação foi ele, e por consentimento, não por imposição. Erro grave é julgar pela aparência o caráter de uma pessoa. Fantasiar-se de estereótipo não faz nenhum sentido.