segunda-feira, 21 de junho de 2010

Dani Guerreira em...



Como é bom ter voz. Não o fonema, mas a idéia falada, o pensamento ecoado.

É triste estar mudo. Não digo o não emitir som, mas o não emitir opiniões e reflexões.



Outro dia fui a uma loja abrir crediário e eis que a atendente que preenche meu cadastro me pede REFERÊNCIAS de lojas nas quais eu já possuía crédito. Resposta: nenhuma. Era minha primeira compra - ou seria, se não me houvesse sido negada.



Meu irmão queria um novo emprego e para tal possuía todas as aptidões exigidas, exceto ela, essa porta tão difícil de abrir e cuja chave não estava em seu poder: a EXPERIÊNCIA.



Daí, li um post sobre Regina Guerreiro. Que ela entende de moda, que possui repertório fashion suficiente a ponto de lhe autorizar críticas pertinentes as quais se deve dar atenção e crédito. Respeito. Mas em seguida assisto a um vídeo de Regina a analisar desfiles da temporada e, nossa! Ela comete erros! Um deles, ao dizer que Ronaldo Fraga utilizou rendas do norte onde se devia ler nordeste. Erros pontuais, que em nada diminuem a credibilidade da profissional consagrada, mas que no mínimo me levam a refletir: há vozes aprisionadas em calabouços de cabeças pensantes que querem ecoar. Batem nas grades a fim de chamar a atenção de carcereiros que tem por guarda a chave daquela porta. E a chave tilinta nas mãos de quem já tem portas abertas...



Como ter experiência se não nos é dado experienciar? Porque não confiar a alguém que estuda o assunto, lê, pesquisa e quer continuar estudando, lendo e pesquisando, o presente da voz?



Porque, penso eu, Regina Guerreiro nem sempre foi “Regina Guerreiro”. Nem sempre teve experiência e menos ainda referências, mas conquistou a chave.



E como pode a moda, sendo assim tão farta de subjetividade, ser encapsulada numa garrafa onde se lê no rótulo uma definição, modo de usar e em letras miúdas logo abaixo, os direitos reservados? A moda não gosta de rótulos, não tem papas nem papisas. Ela não gosta de garrafas, gosta de varais e corpos ao vento. Gosta de mentes e portas abertas.



Ícones fashion são importantes balizas, mas são nossas as mãos na direção. Aprendemos e crescemos com os mais sábios, mas estou longe de assimilar a moda como uma seita onde de uma só cabeça parte as idéia para todo um grupo que, num celibato de questionamentos, acena positivamente, absorve e reproduz. Seria um suicídio coletivo. E eu não quero morrer antes de abrir a porta.






domingo, 6 de junho de 2010

Tesoura nas falácias em 5 capítulos.

Vou cortar a fita da inauguração de uma nova fase blogueira com uma tesoura que vai um pouco mais fundo. Muita gente falando de moda sem saber o que realmente é a moda, ignorando o lado histórico, social e cultural em que ela implica. Gente que diz que não gosta, que ela é amarga, azeda ou ruim simplesmente porque não experimentou ou sequer enfiou o dedo com vontade nesse bolo. Gente que pega fato isolado e sem contexto e transforma em tese, jurisprudência ou pré-texto para pré-conceitos.




E como faria Tarantino:

Chapter #1: Moda não é padronização

Muitíssimo pelo contrário, a moda surge no século XVI quando os burgueses desejosos de assemelhar-se à nobreza imitavam-na em seus trajes e modos de se portar (observe que moda não se traduz somente em roupas, mas em comportamentos também). Aí você diz: "_Tá vendo, padronização!" e eu respondo "_ Me deixa terminar a história!". A nobreza por sua vez, buscou em códigos internos de vestir o jeito de diferenciar-se dos "plebeus emergentes", criando um ciclo ao mesmo tempo mimético e estratificador.
Quem sabe mesmo apropriar-se da moda a seu favor consegue a façanha de pertencer a um grupo sem perder seu estilo pessoal, supre a necessidade humana de ser e pertencer sem tornar-se o mais novo clone fashion da temporada. Moda neste sentido é a síntese perfeita de união e isolamento.

Chapter #2: Moda não é puramente materialismo e consumismo

A moda está ligada à beleza, à ética e à estética, fato que explica seu caráter subjetivo. Está ligada à arte enquanto expressão individual e à sociologia enquanto expressão coletiva. Diz respeito também à filosofia, uma vez que é feita pelo homem e para o homem, à psicologia devido a mecanismos que nos remetem à sensações diversas como segurança ou desconforto. É fundamental à compreensão da história da humanidade, das ciências humanas, das manifestações culturais e políticas, funcionado como espelho de um tempo. O comércio e o consumismo são conseqüências de tudo isso – da moda resolvendo no imaginário das pessoas, entre outros problemas, o da exclusão social e gerando com isso produtos, emprego e renda.




Chapter #3: A moda não é tão efêmera e passageira assim

Ela é cíclica. No inverno passado voltaram os ombros marcados, característicos da década de 80. Neste, as polainas também de 80 e o shape da década de 40. E o que dizer do clássico Tailleur de Chanel, da cintura marcada de Dior e tantos outros que vivem entre nós, imortais em looks completos ou pontuados em discretas pinceladas?

E quanto à calça jeans, nascida de uma necessidade, ícone de uma geração, peça que se perpetuou e ganhou o mundo em modelagens e lavagens que vão do tradicional ao contemporâneo? 


E quantas Audrey Hepburn com seus pretinhos básicos, Merilyn Monroe em figurinos esvoaçantes e Rita Hayworth em modelos tomara-que-caia longos e sensuais reaparecem em festas glamurosas e red carpets a cada nova temporada?

O que passa é a aparência por si só, o vazio por trás da máscara. Se o que você veste reflete o que vem de dentro, seu humor, sua ideologia, seu estilo, então não passa. Pode sim amadurecer, mas não passa – e isso é moda.




Chapter #4: Moda não é coisa fútil de gente avulsa não!

Quem faz moda trabalha, e muito. Esta roupitcha que você está usando agora passou por um longo e sistemático processo de criação, desenvolvimento e produção. Um profissional de moda deve ser tão criativo quanto um publicitário, ter raciocínio tão bom quanto um analista de sistemas, um certo feeling para o marketing, estar atento às causas ambientais tanto quanto um biólogo, procurar conhecer seu país e o mundo como quem faz turismo, gerir como um bom administrador de empresas, criar, projetar e desenvolver como um designer, construir e organizar com a funcionalidade de engenheiros e arquitetos, possuir a pró-atividade de um assistente social, a didática de um pedagogo, a sensibilidade de um artista e o primordial: o respeito pelas pessoas e suas escolhas.

A carreira exige muito, o mercado mais ainda. Antes de dar pitacos consulte ao menos a grade curricular de um bom curso de moda. Ninguém vence no ramo indo à universidade para aprender desenho e corte-costura apenas.

Chapter #5: Desa-bapho final

Não gosta de moda quem não se permite, quem não sabe se expressar. Não gosta de moda quem é linear, faz tudo sempre igual, vidinha mais ou menos, nem muito triste nem superfeliz.


Não gosta de moda quem não se arrisca, quem não abre a porta do desconhecido pra ver o que tem do outro lado e aprende com as coisas ruins também, quem não vê oportunidade do caos.

Quem não tem atitude, quem não se ama. Quem não tem o olhar educado pra perceber a beleza e a arte no mundo, nas coisas e porque não, nas roupas.

Não gosta de moda quem não se comunica ou não sabe se comunicar ou ainda que diz não se importar com o que a sua imagem comunica e usa isso como muleta. Não gosta de moda quem acha que sabe o que é moda, porque a moda não é coerente nem racional, mas até quem diz que não curte está usando, mesmo sem querer. Ou estamos todos nus?