quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Moda, anorexia e bobas da corte



Quem tem poucos neurônios em funcionamento pode aceitar se submeter à atividade, bem remunerada, de divertir a corte. Moças que têm neurônios destruídos, desejam ser modelos. Forma-se, então, o círculo vicioso do mundo da moda. Este exige magreza, que provoca anorexia, que provoca destruição de neurônios, que provoca novas pretendentes à atividade profissional de modelo.
O processo cruel de exploração humana não é novo. Sempre existiu. A cada momento da história da humanidade as classes exploradoras, sempre acobertadas pelo Estado, estiveram inventando métodos e técnicas para colocar seres humanos degradados divertindo os abastados donos do poder.
O romance O Homem que Ri, de Victor Hugo, conta a história de uma criança que no final do século XVII é seqüestrada, por ordem do rei, e é cruelmente desfigurada, tendo a boca rasgada até as orelhas. A criança se tornaria um homem de riso permanente, ótimo para servir como saltimbanco e bobo da corte, para distrair os poderosos.
A idéia geradora do romance de Hugo não tem nada de fictícia. No século XVIII começaram a ser criadas associações de compra-crianças. A atividade desses grupos de empresários consistia em comprar crianças para deformá-las fisicamente. Após terem cortados seus narizes, rasgadas suas bocas, os rostos deformados a ferro em brasa, quebradas suas colunas vertebrais, as crianças eram vendidas às cortes, aos sultões e aos papas, para alimentar as atividades de saltimbancos e bobos da corte.
Ezio Bazzo, em seu livro A Lógica dos Devassos, analisa outros momentos semelhantes da história da humanidade que envergonham o homem de hoje. A crueldade humana desponta em outra atividade no século XVII, quando a igreja proíbe mulheres de participar do coro. A solução é a castração de crianças, para que cresçam homens que farão as vozes agudas da polifonia coral. Para salvar a arte, a castração de crianças era admitida por papas, bispos e regentes daquela época. Os castrati italianos existiram até o século XIX. Ocidente e Oriente, nesse caso, se encontram culturalmente, porque os eunucos, os homens castrados, eram os guardas dos haréns.
Na Índia também existiu a prática. Governantes castravam crianças e as educavam para cuidar dos haréns. Eunucos ainda existem na Índia, muitos deles por opção própria dos que desejam uma identidade mais feminina. São temidos e respeitados, porque muitos acreditam que eles possuem poderes sobrenaturais. Suas atividades profissionais incluem a benção em casamentos, nascimentos e outras celebrações.
Pierre Bourdieu, ao estudar a sociologia do esporte, enveredou numa perspectiva crítica que explica o processo de dominação e domesticação na ordem social vigente. O autor lembra que as classes abastadas praticam preferencialmente esportes individuais onde é destacada a figura do sujeito e que não exigem grande sacrifício corporal, como é o caso do tênis e do golfe. Às classes populares são reservados os esportes caracterizados pelo jogo coletivo e importante quota de agressividade e sacrifício corporal. Valter Bracht vai mais longe nessa análise, observando que o esporte amador é reservado à elite, enquanto o esporte espetáculo é produzido por profissionais para a massa de expectadores. Assim, os fins capitalistas se evidenciam, com as classes altas lucrando com o interesse que o povo tem pelo esporte espetáculo.
Desfiles de moda se enquadram nesse contexto. As magricelas elegantes, verdadeiras garças sensuais, garças cheias de graça, saracoteiam maliciosamente na passarela, vestindo trajes investíveis, mas extremamente divertidos. São obras de arte que flutuam no tempo e no espaço para o deleite de olhos burgueses opressores. Para deleitar os poderosos, as esqueléticas precisam se maquinizarem de modo a não criar problemas. Exigência de altos salários não é problema. Mas têm que sofrer de anorexia para que parem de menstruar, sintam desejo de se isolar da família e se tornem inférteis.
As bobas de corte e costura, enfim, são como os antigos bobos da corte: têm que se degradar, se desfigurarem, se entregando ao aviltamento corporal, para deleite da alta burguesia e das classes dirigentes.

Na aula de Ergodesign, nossa professora pediu para que após lermos este texto
escrevêssemos uma resenha crítica. Subscrevo logo abaixo um trecho da minha!


Há que se pensar, no entanto que a destruição de neurônios da qual o autor fala no início do texto não é apenas e necessariamente fator de perda cognitiva ou de deficiência e incapacidade intelectual, uma vez que os neurônios estão relacionados ao funcionamento de todo o sistema nervoso e não apenas das funções cerebrais.

Interessante analisar que o autor coloca a magreza como causa da anorexia que por sua vez dá causa à destruição de neurônios, o que é relativamente questionável, uma vez que a conseqüência de uma anorexia tende mais para o desenvolvimento de uma neurite (basicamente uma atrofia muscular) que para a incapacidade de raciocinar e tomar atitudes conscientes em relação à própria saúde.

Em relação à causa da anorexia não podemos deixar de observar que além dos fatores sócio-culturais e psicológicos há ainda os fatores físico-biológicos, o que torna de certa forma um tanto perigosa a afirmação de que a origem desse mal resida isoladamente em apenas um destes aspectos.

Colocar os desfiles de moda no mesmo patamar de tamanhas agressões cometidas ao longo da história pode servir como um alerta àqueles que trabalham no segmento para que se apercebam desta realidade lamentável, mas pode também ser tomado por ofensa pelos mesmos, principalmente se nos apoiarmos no fato de que o foco principal dos desfiles não são (ou não devem ser) as modelos, mas sim as roupas e criações de moda. Classificar roupas de desfiles como trajes investíveis, mas extremamente divertidos, a princípio soa engraçado aos ouvidos daqueles leigos no assunto relativo à apresentação de coleções conceituais, entretanto rotula este ramo de tanta importância como algo extremamente fútil e superficial, produzido apenas para a diversão alheia quando na verdade cumpre uma função econômica, sócio-cultural, artística e histórica.

Concluo que o texto é útil a estudantes e profissionais da moda, para que venham a pensar no futuro do setor a partir de um ponto de vista diferenciado, de uma perspectiva do expectador comum, a respeito da visão e da mensagem que está sendo transmitida ao público em geral.


O autor do texto é Jorge Antunes, Professor titular do Departamento de Música da UNB, maestro, compositor e autor da Sinfonia das Diretas, da Cantata dos Dez Povos e da ópera Olga.


ANTUNES, Jorge. Moda, anorexia e bobas da corte. Revista Espaço Acadêmico, Ano VI, nº 68, jan. 2007, ISSN 1519.61866. Disponível em: HTTP://espacoacademico.com.br/068/68antunes.htm. Acesso em 21 fev. 2008.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O début da SPFW



Era uma moça no auto de seus quinze anos. Ponderava ter seu rito de passagem como o de toda debutante, propusera oferecer-se à sociedade como objeto de glamour e volúpia. E a moça vale ouro mesmo: herdeira de cifras bilionárias, as quais se põem a bailar na Paulicéia ao som da música que ela quiser tocar. Tem um pai mais idealizador que idealista.

Adolescendo e procurando definir uma identidade ela me aborreceu nessa transicão. Na festa que durou uma semana o ruído dos célebres internacionais abafou a real essência, fez esquecer por um momento o desígnio do design. 

Liguei pra Moda, perguntei se ela iria à festa :
 "_ Sim, vou. Tenho convites pra fila Z!"

E chegou a hora dos vestidos. Ela teria que entrar com um modelo um tanto infantil e depois da meia noite aparecer num look mais mulher, mas não curte tradições: veio com calcas, tops e jaquetinhas cropped, transparências, texturas, saias longas e quase nada de brancos e rosas: apareceu com cinzas, pretos, nudes, off-white e camelo.

Festa boa, gente bonita. Mas em dado momento senti falta da Moda. Liguei pra perguntar se já havia chegado à Bienal:

"_Cheguei incógnita. Os organizadores perderam meu telefone..."

Estética fashion, festas fechadas, tapete vermelho. Qual é mesmo o combustível da moda? Qual é o sentido do trabalho dos designers? Qual é o troco pra quem trabalha, vive, pensa, sonha, desenha, corta, costura, acorda e dorme moda?

Tem gente que fez moda linda pra essa temporada. Gente que fez história em roupa, sonhos em tecido, estilista que mostrou a que veio – mas não! O red carpet não era pra ele. Para o verdadeiro artista restou um beco e pra verdadeira dona da festa um cantinho.

Queremos tanto um lugar ao sol na famigerada indústria internacional da moda e quando estamos quase lá convidamos gringos ilustres pra acenar pro mundo que o que temos e fazemos aqui é mesmo bom e digno de confiança, como se esse crivo fosse realmente necessário. Oras! O que eu vi nessa festa foi um eclipse, um lusco-fusco de estrelas tirando a atenção da verdadeira e grande estrela: a MODA. Minha torcida é pra que essa moça amadureça e que perceba que a mais perfeita viagem consiste não em buscar novas paisagens, mas em ter novos olhos.

Imagens:
jornalbjs.blogspot.com
razaoesensibilidade.zip.net

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Frase da semana...



"Comprei roupas:


 olhares de lurex, 


elogios de veludo

e um par de auto-estimas de couro.

Meu troco foi uma rasgação de seda".  (Dani Lopes)

Arte designup.pro.br