domingo, 6 de junho de 2010

Tesoura nas falácias em 5 capítulos.

Vou cortar a fita da inauguração de uma nova fase blogueira com uma tesoura que vai um pouco mais fundo. Muita gente falando de moda sem saber o que realmente é a moda, ignorando o lado histórico, social e cultural em que ela implica. Gente que diz que não gosta, que ela é amarga, azeda ou ruim simplesmente porque não experimentou ou sequer enfiou o dedo com vontade nesse bolo. Gente que pega fato isolado e sem contexto e transforma em tese, jurisprudência ou pré-texto para pré-conceitos.




E como faria Tarantino:

Chapter #1: Moda não é padronização

Muitíssimo pelo contrário, a moda surge no século XVI quando os burgueses desejosos de assemelhar-se à nobreza imitavam-na em seus trajes e modos de se portar (observe que moda não se traduz somente em roupas, mas em comportamentos também). Aí você diz: "_Tá vendo, padronização!" e eu respondo "_ Me deixa terminar a história!". A nobreza por sua vez, buscou em códigos internos de vestir o jeito de diferenciar-se dos "plebeus emergentes", criando um ciclo ao mesmo tempo mimético e estratificador.
Quem sabe mesmo apropriar-se da moda a seu favor consegue a façanha de pertencer a um grupo sem perder seu estilo pessoal, supre a necessidade humana de ser e pertencer sem tornar-se o mais novo clone fashion da temporada. Moda neste sentido é a síntese perfeita de união e isolamento.

Chapter #2: Moda não é puramente materialismo e consumismo

A moda está ligada à beleza, à ética e à estética, fato que explica seu caráter subjetivo. Está ligada à arte enquanto expressão individual e à sociologia enquanto expressão coletiva. Diz respeito também à filosofia, uma vez que é feita pelo homem e para o homem, à psicologia devido a mecanismos que nos remetem à sensações diversas como segurança ou desconforto. É fundamental à compreensão da história da humanidade, das ciências humanas, das manifestações culturais e políticas, funcionado como espelho de um tempo. O comércio e o consumismo são conseqüências de tudo isso – da moda resolvendo no imaginário das pessoas, entre outros problemas, o da exclusão social e gerando com isso produtos, emprego e renda.




Chapter #3: A moda não é tão efêmera e passageira assim

Ela é cíclica. No inverno passado voltaram os ombros marcados, característicos da década de 80. Neste, as polainas também de 80 e o shape da década de 40. E o que dizer do clássico Tailleur de Chanel, da cintura marcada de Dior e tantos outros que vivem entre nós, imortais em looks completos ou pontuados em discretas pinceladas?

E quanto à calça jeans, nascida de uma necessidade, ícone de uma geração, peça que se perpetuou e ganhou o mundo em modelagens e lavagens que vão do tradicional ao contemporâneo? 


E quantas Audrey Hepburn com seus pretinhos básicos, Merilyn Monroe em figurinos esvoaçantes e Rita Hayworth em modelos tomara-que-caia longos e sensuais reaparecem em festas glamurosas e red carpets a cada nova temporada?

O que passa é a aparência por si só, o vazio por trás da máscara. Se o que você veste reflete o que vem de dentro, seu humor, sua ideologia, seu estilo, então não passa. Pode sim amadurecer, mas não passa – e isso é moda.




Chapter #4: Moda não é coisa fútil de gente avulsa não!

Quem faz moda trabalha, e muito. Esta roupitcha que você está usando agora passou por um longo e sistemático processo de criação, desenvolvimento e produção. Um profissional de moda deve ser tão criativo quanto um publicitário, ter raciocínio tão bom quanto um analista de sistemas, um certo feeling para o marketing, estar atento às causas ambientais tanto quanto um biólogo, procurar conhecer seu país e o mundo como quem faz turismo, gerir como um bom administrador de empresas, criar, projetar e desenvolver como um designer, construir e organizar com a funcionalidade de engenheiros e arquitetos, possuir a pró-atividade de um assistente social, a didática de um pedagogo, a sensibilidade de um artista e o primordial: o respeito pelas pessoas e suas escolhas.

A carreira exige muito, o mercado mais ainda. Antes de dar pitacos consulte ao menos a grade curricular de um bom curso de moda. Ninguém vence no ramo indo à universidade para aprender desenho e corte-costura apenas.

Chapter #5: Desa-bapho final

Não gosta de moda quem não se permite, quem não sabe se expressar. Não gosta de moda quem é linear, faz tudo sempre igual, vidinha mais ou menos, nem muito triste nem superfeliz.


Não gosta de moda quem não se arrisca, quem não abre a porta do desconhecido pra ver o que tem do outro lado e aprende com as coisas ruins também, quem não vê oportunidade do caos.

Quem não tem atitude, quem não se ama. Quem não tem o olhar educado pra perceber a beleza e a arte no mundo, nas coisas e porque não, nas roupas.

Não gosta de moda quem não se comunica ou não sabe se comunicar ou ainda que diz não se importar com o que a sua imagem comunica e usa isso como muleta. Não gosta de moda quem acha que sabe o que é moda, porque a moda não é coerente nem racional, mas até quem diz que não curte está usando, mesmo sem querer. Ou estamos todos nus?








Nenhum comentário: